Crónica de Alexandre Honrado
No céu cinzento sob o astro mudo
Ligou-me um amigo, com uma nota de nervosismo na voz, e atirou-me: «É só para ficares avisado. A direita vai lançar mais um jornal, e parece que este é mesmo da extrema.»
Agradeci a informação, fiquei a matutar, farto de dizer para com os meus botões que essas coisas de direitas e esquerdas não são dos nossos tempos e todavia ei-las, absurdas e prolongadas no tempo, como a velha tartaruga que se nega a evoluir mas que permanece firme e viva num canto de uma praia inabitada.
Os extremos – de direita e de esquerda – foram protagonistas de massacres e holocaustos vergonhosos, que não mereciam ter agora herdeiros ou a menor expressão.
Gostar do que é repugnante, letal e assassino, acaba por ser um sintoma de doença profunda, um transtorno patológico grave, em suma, que se foi e vai instalando com o tempo. A verdade é que somos responsáveis pela sua estranha e ingrata longevidade; encolhemos os ombros quando somos convidados e intervir, não votamos quando chega a hora e as nossas mobilizações levam-nos à rua mais pelos slogans ocos e sem causas do que pela vontade de apostar no melhor do mundo. Sim, porque em consciência não devíamos querer um mundo melhor – mas sermos, individual e coletivamente – melhores para o mundo, essa extraordinária casa comum que não respeitamos e empurramos pelo corredor da morte até ao suspiro final. Por essas e por outras morreram as mais belas utopias, os idealismos mais regeneradores, as ideologias mais respiráveis.
Somos responsáveis por pactuar com as teorias mais absurdas que nos vendem o pior do mundo velho, chavões como aquele que diz que todas as interações humanas são fontes do exercício opressor do poder, ou que todo o conhecimento é uma construção social.
Ficámos a desdenhar a escola, porque a escola durante anos nos desdenhou, e também o ensino, porque achou que a educação é que era e o aprender vinha depois; ou a desonestidade intelectual dos que nos deixaram na ignorância para poderem fazer as suas vidas à custa das nossas vidas.
Pior do que isso são aqueles empreendedores que jogam com falácias, que propõem economias ultraliberais, cultos de velhas nações anquilosadas e opressoras, a cultura da guerra e do ser humano armado, ou também aqueles que manipularam o protagonismo do movimento woke e confundiram lógicas e prioridades, criando muros e partes em conflito e não espaços abertos e interculturalismo, e os que fizeram retroceder ideias como a das raças – bolas, somos todos a mesma raça humana! -, os que se tornaram ativistas de um progresso inativo, os que apregoam que ciência e razão estão ao serviço da opressão, os que lançam argumentos aleatórios para animar multidões que lhe oferecem o poder para mais tarde morrerem às suas mãos sempre ensanguentadas. Os geradores de dogmas piores do que os vírus anónimos com que a natureza nos assalta.
Vem aí mais propaganda, diz o meu amigo. Mas perante o descrédito do que lemos, ouvimos e vemos, não podemos ignorar que ainda vamos a tempo de pensar (pelas nossas cabeças).
Alexandre Honrado
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